Paim denuncia o subfinanciamento do SUS e o descompromisso com a saúde pública |
Não é aconselhável fazer futurologia em política de saúde.
Mas, diante do desafio do tema é pertinente refletir sobre a sustentabilidade
econômica, política e institucional do SUS, partindo do pressuposto de que não
há política irreversível. Ainda que assentado na Constituição e nas leis, o SUS
não está livre de retrocessos. Basta olhar o que está acontecendo em Portugal,
Grécia, Espanha e Itália para compreender a vulnerabilidade dos sistemas de saúde
diante de crise econômica ou política. No Brasil, festejado como a sexta
economia do mundo, dois dos Poderes da República inviabilizaram, recentemente,
recursos adicionais para o SUS.
"A sustentabilidade institucional do SUS sofre abalos a cada mudança de governo ou de gestor quando quadros técnicos e gerenciais são substituídos, independentemente da qualificação e do mérito"
Na bonança houve recursos para o Programa de Aceleração do Crescimento e para as obras da Copa do Mundo. Mas diante da tempestade na saúde da economia, o governo prefere comprometer o direito universal à saúde. O Estado brasileiro contenta-se em cobrir apenas 41% do gasto em saúde, quando a maior parte dos países que optaram por sistemas universais responsabilizam-se por mais de 80% desta despesa. Não há sinais de políticas que incrementem recursos federais nos próximos anos, contemplando investimentos para a ampliação da infraestrutura e o custeio da rede de serviços. A sustentabilidade econômica encontra-se ameaçada e uma das justificativas apresentadas para a rejeição do projeto que obrigava a destinação de 10% do orçamento federal para a saúde foi a crise internacional.
No caso da sustentabilidade política caberia analisar quais
forças políticas e sociais defendem efetivamente o SUS, de acordo com os
princípios e diretrizes dispostos na legislação, e quais se aproveitam das suas
fragilidades para ampliar a mercantilização e a privatização, diante das
ambiguidades e omissões da regulação estatal. A população e parte significativa
dos trabalhadores de saúde vivem o pior dos mundos: um setor público
subfinanciado e um setor privado sub-regulado. No entanto não há uma
mobilização social suficiente que pressione partidos, parlamentares e
dirigentes a reverterem esse quadro.
"O subfinanciamento público e os estímulos aos planos privados de saúde, inclusive ampliando o seu mercado mediante a inclusão de funcionários públicos e da chamada “classe C”, apontam para a reprodução de um SUS pobre para os pobres e complementar para o setor privado"
A Reforma Sanitária concebeu a seguridade
social (cidadania universal) e uma engenharia decisória calcada em conselhos e
conferências, paritários e deliberativos. Na saúde ampliou-se a cobertura e o
acesso aos serviços nos diversos níveis, na previdência resta um seguro social
(cidadania regulada) cada vez mais restritivo após sucessivas reformas, e na
assistência social predomina a transferência condicional de renda para pobres e
miseráveis (cidadania invertida). E diante do refluxo ou cooptação de
movimentos sociais os canais de participação cidadã têm sido colonizados por
interesses privados, partidários e corporativos, enquanto os milhares de cargos
de confiança são utilizados nas transações políticas. Portanto, a
sustentabilidade institucional do SUS sofre abalos a cada mudança de governo ou
de gestor quando quadros técnicos e gerenciais são substituídos,
independentemente da qualificação e do mérito.
O futuro do SUS depende do que se faz hoje. O
subfinanciamento público e os estímulos aos planos privados de saúde, inclusive
ampliando o seu mercado mediante a inclusão de funcionários públicos e da
chamada “classe C”, apontam para a reprodução de um SUS pobre para os pobres e
complementar para o setor privado, sobretudo nos procedimentos de alto custo.
As políticas racionalizadoras ora implementadas, embora relevantes, não são suficientes
para renovar as esperanças por um sistema de saúde digno, democrático e de qualidade
para todos os brasileiros.
Jairnilson Silva Paim - Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil.
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