Água limpa: valioso tesouro |
Prolegômenos
Como sabemos, na Idade Moderna (que foi de 1453 – ano da tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos - até 1789 - início da Revolução Francesa) inaugurou-se um novo tempo, uma nova concepção do mundo e das coisas que aconteciam nele. Até então, na chamada Idade Média (que foi de 476 – queda do Império Romano do Ocidente – até 1453), as coisas que aconteciam no mundo eram mero reflexo das coisas que aconteciam no éter, ou seja, o que ia pelo mundo dos mortais era o que ia também no mundo do Deus, o criador imortal. Isso significa que o ser humano não tinha poder sobre as coisas terrenas, fizesse o que fizesse, e precisava se conformar com sua impotência e aceitar os desígnios que estavam acima dele. Dir-se-ia que o ser humano era um estranho em sua própria casa, isso se considerarmos que ele tinha um lar, já que tudo pertencia a Deus. E se isso era verdade, o lugar do humano era o de dependência, eterno filho. O que se fez na Era Moderna foi emancipar esse filho.
Vimos, assim, que a Era Moderna trouxe uma mudança significativa, atribuindo ao ser humano o poder de interferir na realidade. Para isso, o determinismo divino cedeu lugar ao determinismo natural, sendo que se a humanidade era absolutamente impotente diante daquele, tinha seus poderes ampliados no contexto do segundo, pois o determinismo da natureza era estruturado em regras e leis que o ser humano estava destrinchando para poder transformar o natural em algo domável e manipulável. Assim, o homem impotente da Idade Média foi substituído pela potente cientista que, com as leis da ciência, consegue então interferir na natureza, aproveitando melhor seus benefícios e mantendo sob controle seus aspectos perigosos.
A saída da "Cloaca Máxima", sistema de esgoto da Antiga Roma |
O saneamento básico como recurso para proteção da saúde
A Idade Contemporânea iniciou quando fincou a Idade Moderna, em 1789 ou, como preferem muitos, em 1790, no ano seguinte, e se estende até nossos dias. Um dos tópicos que merece atenção nesse período é o do saneamento básico. O abastecimento de água potável, a gestão de águas pluviais e a coleta e o tratamento de esgotos, bem como a limpeza urbana, o manejo de resíduos sólidos e o controle de pragas, passaram a ser considerados como ações fundamentais na proteção e na prevenção de doenças.
Antiguidade - Ações de saneamento são realizadas desde a Antiguidade, quando já se construíam diques e canalizações, para consumo e irrigação. Isso porque havia a compreensão de que o organismo humano respondia de forma determinante aos estímulos ambientais e o fundador da disciplina médica, Hipócrates, escreveu o tratado “Ares, Águas e Lugares”, tratando especificamente desse tema. Ele era grego e viveu no período que foi de 460 a 370 a.C. Em Roma, antes mesmo de Hipócrates nascer, já havia o sistema de esgoto chamado de Cloaca Máxima (desaguava no Rio Tibre), o que indica a importância dada à destinação sanitária. Em Roma também se construíram encanamentos para atender aos cidadãos que pagavam para receber água potável e também para as fontes públicas que atendiam aos mais pobres.
Idade Média - O primeiro texto que trouxe ensinamentos básicos sobre a gestão das águas e o saneamento foi escrito por Sexto Júlio Frontino, curador da água dos aquedutos romanos. Era um tratado com o título “De Aqvis vrbis Romae”, que ficou muito tempo ignorado, tendo sido encontrado por Gian Francesco Poggio, um intelectual italiano, em 1425. Com essa descoberta tardia, ocorrida no final da Idade Média, foram retomados os conhecimentos romanos sobre o saneamento e a gestão das águas. Isso foi muito importante para o cidadão urbano daquele período, pois, além da água ser compreendida como fundamental para o desenvolvimento econômico, já era entendida como crucial para a proteção da saúde e prevenção de doenças. Na Idade Média, sem os conhecimentos romanos, a captação era precária e a destinação dos esgotos ameaçava a saúde ou, mais precisamente, causava mortes em profusão. A história registra a perda de metade da população europeia, vitimada por doenças como tifo e cólera.
Idade Moderna e Contemporânea – Foi somente nesse período que se desenvolveu uma metodologia para a medição da velocidade da água e se conseguiu entender que rios e fontes dependem das chuvas. Como já foi dito, trata-se de um momento histórico no qual o ser humano buscava emancipação perante sua total dependência da divindade. Desenvolveram-se, assim, pesquisas para um melhor domínio da captação e distribuição da água, bem como para a sua destinação depois de usada. Em 1698 foi criada a primeira máquina a vapor da Era Moderna, por Thomas Savery, um engenheiro militar inglês, mas há notícias de que esse engenho existe desde o século I d.C., recebeu o nome de máquina eolípila e foi construída por Heron de Alexandria. A máquina a vapor de Savery foi um impulso determinante para a Revolução Industrial, substituindo a força dos cavalos, antes utilizados (por conta dessa relação é que passou a se chamar – e se faz isso até hoje – a medida para definir a potência dos motores como “Cavalo-Vapor”, ou “horse-power”, em inglês, e que equivale a aproximadamente 735 watts).
Na França, desde a primeira metade do século XIX, se estabeleceu um combate feroz à poluição das águas, chegando a ser prevista multa e mesmo detenção para quem sujasse as águas com produtos que envenenariam os peixes e, consequentemente, as pessoas. E foi na metade desse século que se implantou uma administração e uma legislação para implantar o saneamento básico de forma ampla. Tudo leva a crer que vem de uma obra escrita por Edwin Chadwick, em 1842, o desenvolvimento moderno da compreensão que estabelece uma relação bastante íntima entre saneamento e saúde. E tudo indica que essa compreensão foi importante para as iniciativas recentes, mas não garantiu boas condições de acesso à água ou de proteção contra as doenças causadas pelo mau tratamento do esgoto. Atualmente, calcula-se que um bilhão de pessoas não têm acesso à água potável e que oitenta por cento das doenças existentes estão relacionadas à falta de água ou ao consumo de água não tratada.
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