As ações de assistência à saúde mental, com enfoque especial
no Serviço de Residências Terapêuticas, foram apresentadas e discutidas em roda
de conversa do SOU+SUS
No dia 09 de novembro deste ano de 2016 o SOU+SUS recebeu a
visita da diretora de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba
(SMS/Curitiba), Luciana Savaris, e da coordenadora do Serviço de Residências Terapêuticas
(SRT), Diana Coutinho. Elas apresentaram para os servidores do Núcleo Estadual
do Ministério da Saúde no Paraná (NEMS/PR) as ações de assistência na área da
Saúde Mental em Curitiba e, especificamente, o programa coordenado por Diana. O
evento marcou o encerramento das apresentações interinstitucionais promovidas
pelo SOU+SUS no ano, que contaram com a presença de profissionais da
SMS/Curitiba, da ANVISA e da equipe de Apoio Técnico do Ministério da Saúde. Os
servidores que assistiram à palestra participaram ativamente, fazendo perguntas,
questionamentos, e compartilhando experiências e saberes.
Luciana abriu a apresentação fazendo um breve retrospecto da
história recente das ações de Saúde Mental. Ela lembrou que até algum tempo
atrás, havia apenas o hospital psiquiátrico como recurso terapêutico, se é que
se pode dizer que esse equipamento era realmente um recurso terapêutico. Na verdade,
como lembrou ela, o hospital tem virtudes, mas foi muito usado simplesmente
para afastar pessoas da sociedade. “Não eram apenas pessoas com problemas psicológicos
que eram internadas. Diversas situações podiam levar a pessoa à internação,
incluindo pequenos desajustes familiares, e ser internado podia significar
ficar no hospital por muito tempo, até mesmo por toda a vida”, explicou,
pontuando, ainda, que a internação pode ser indicada em alguns casos, mas não
pode ser desumana ou prolongada.
Luciana Savaris (primeira da esquerda para a direita) apresentou para os servidores do Núcleo Estadual do Ministério da Saúde no Paraná as ações de assistência à saúde mental em Curitiba |
A diretora de Saúde Mental indicou o livro “Holocausto
Brasileiro”, da jornalista Daniela Arbex, editado pela Geração Editorial e
lançado em 2013, como um documento importante sobre os maus-tratos usualmente
cometidos nos hospitais psiquiátricos no passado recente da história da
psiquiatria no Brasil. O livro fala da nefasta experiência vivida pelos
internos do Hospital Colônia de Barbacena, instituição que funcionou de 1903 a 1980
e que se caracterizou pela desumanidade com que tratava seus internos (1). Sobre
a realidade da assistência em Curitiba, ela disse que a capital paranaense tem
uma das melhores coberturas assistenciais em saúde mental no país, mas admitiu
que ainda há deficiências.
Desinstitucionalização possível
Diana Coutinho apresentou a estrutura do SRT, mostrando como a
modificação no enfoque da assistência em Saúde Mental foi importante para a
recuperação da autoestima e da vaidade, trazendo novamente sorrisos aos rostos
de pessoas que se acostumaram a viver uma realidade sem individualidade. “Houve
pacientes que descobriam habilidades inesperadas, como uma senhora que aprendeu
a pintar, mostrou inegável talento e chegou, inclusive a fazer uma vernissage
para mostrar os seus trabalhos”, disse. A coordenadora do SRT em Curitiba
ressaltou que o programa faz parte de uma iniciativa de desinstitucionalização,
o que significa falar da desconstrução dos saberes, discursos e práticas
psiquiátricos que reduzem a loucura ao estigma da doença mental e referem a
instituição manicomial como o principal, se não único, equipamento da atenção à
saúde mental.
Ela falou ainda das dificuldades herdadas do tempo de
internação: “As pessoas chegam repetindo hábitos adquiridos no hospital, o que
demonstra que o hospital continua dentro dos moradores das residências terapêuticas,
ainda que eles não mais estejam lá. Além disso, ficam marcas, como se viu no
episódio em que falamos que íamos levar uma máquina de costura e ao ouvir a
palavra ‘máquina’ eles se assustaram, pensando que falávamos da máquina de eletrochoque,
aquela que foi usada durante décadas nos hospitais psiquiátricos (2)”, afirmou.
Outro exemplo é o do morador de uma RT que pedia para abrir a geladeira, sem
entender que a partir daquele momento estava em sua casa, pois a RT é, afinal
de contas, de seus moradores e os técnicos envolvidos são apenas auxiliares dos
moradores das RTs.
Diana explicou que há dois tipos de RTs, sendo um para
pacientes que conseguem realizar as atividades cotidianas sem muitos problemas
e outro para pessoas mais regredidas, que necessitam de ajuda para o básico. Além
disso, ela ressaltou a importância da integração dos moradores das RTs com a
vizinhança. “Quando houve a mudança de uma RT que ficava no Boqueirão para Santa
Felicidade, os antigos vizinhos da RT iam lá só para visitar o pessoal da RT!”,
explica.
A certeza que ficou para todos os presentes é a de que as
RTs mostram que a desinstitucionalização é possível e que os antigos internos
dos manicômios encontram na RT uma possibilidade de uma nova vida, certamente
mais saudável que a que tinham quando reclusos.
(1) Naquele hospital morreram, essencialmente por conta dos
maus-tratos, cerca de 60 mil pessoas e aproximadamente R$ 600 mil foram
arrecadados pela instituição por conta da venda de corpos. Trata-se,
efetivamente, de um documento importante e cabe lembrar que, em 1979, um filme intitulado
“Em nome da razão”, dirigido por Helvécio Ratton, chocou a opinião pública ao
exibir o horror pelo qual passavam os internos do Hospital Colônia localizado
na cidade de Barbacena, MG. Houve crianças que lá nasceram, cresceram e
morreram, sem nunca terem aprendido simplesmente a falar. Também em 1979, o
jornalista Hiram Firmino, publicou reportagens intituladas "Nos porões da
loucura", sobre o tema e, antes disso, em 1961, a revista O Cruzeiro já
havia enviado para o local um fotógrafo, Luiz Alfredo, para retratar a terrível
realidade vivida dentro dos muros da instituição.
(2) “Eletrochoque” é o nome genérico dado ao tratamento conhecido
por eletroconvulsoterapia, que começou a ser utilizado na década de 1930,
indicado para casos de depressão profunda, mas não apenas. Para além da lógica
que o indica por seus supostos benefícios terapêuticos, o “eletrochoque” foi
utilizado indiscriminadamente durante muito tempo, inclusive como castigo e instrumento
de tortura.
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