quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Assistência à Saúde Mental foi o tema do SOU+SUS em novembro


Diana Coutinho (primeira da direita para a esquerda) apresentou
a estrutura do Serviço de Residências Terapêuticas, mostrando
como a modificação no enfoque da assistência em saúde
mental é importante para a recuperação da autoestima
 
As ações de assistência à saúde mental, com enfoque especial no Serviço de Residências Terapêuticas, foram apresentadas e discutidas em roda de conversa do SOU+SUS

No dia 09 de novembro deste ano de 2016 o SOU+SUS recebeu a visita da diretora de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba (SMS/Curitiba), Luciana Savaris, e da coordenadora do Serviço de Residências Terapêuticas (SRT), Diana Coutinho. Elas apresentaram para os servidores do Núcleo Estadual do Ministério da Saúde no Paraná (NEMS/PR) as ações de assistência na área da Saúde Mental em Curitiba e, especificamente, o programa coordenado por Diana. O evento marcou o encerramento das apresentações interinstitucionais promovidas pelo SOU+SUS no ano, que contaram com a presença de profissionais da SMS/Curitiba, da ANVISA e da equipe de Apoio Técnico do Ministério da Saúde. Os servidores que assistiram à palestra participaram ativamente, fazendo perguntas, questionamentos, e compartilhando experiências e saberes.

Luciana abriu a apresentação fazendo um breve retrospecto da história recente das ações de Saúde Mental. Ela lembrou que até algum tempo atrás, havia apenas o hospital psiquiátrico como recurso terapêutico, se é que se pode dizer que esse equipamento era realmente um recurso terapêutico. Na verdade, como lembrou ela, o hospital tem virtudes, mas foi muito usado simplesmente para afastar pessoas da sociedade. “Não eram apenas pessoas com problemas psicológicos que eram internadas. Diversas situações podiam levar a pessoa à internação, incluindo pequenos desajustes familiares, e ser internado podia significar ficar no hospital por muito tempo, até mesmo por toda a vida”, explicou, pontuando, ainda, que a internação pode ser indicada em alguns casos, mas não pode ser desumana ou prolongada.


Luciana Savaris (primeira da esquerda para a direita) apresentou
para os servidores do Núcleo Estadual do Ministério da Saúde no
Paraná as ações de assistência à saúde mental em Curitiba 
A diretora de Saúde Mental indicou o livro “Holocausto Brasileiro”, da jornalista Daniela Arbex, editado pela Geração Editorial e lançado em 2013, como um documento importante sobre os maus-tratos usualmente cometidos nos hospitais psiquiátricos no passado recente da história da psiquiatria no Brasil. O livro fala da nefasta experiência vivida pelos internos do Hospital Colônia de Barbacena, instituição que funcionou de 1903 a 1980 e que se caracterizou pela desumanidade com que tratava seus internos (1). Sobre a realidade da assistência em Curitiba, ela disse que a capital paranaense tem uma das melhores coberturas assistenciais em saúde mental no país, mas admitiu que ainda há deficiências.

Desinstitucionalização possível
Diana Coutinho apresentou a estrutura do SRT, mostrando como a modificação no enfoque da assistência em Saúde Mental foi importante para a recuperação da autoestima e da vaidade, trazendo novamente sorrisos aos rostos de pessoas que se acostumaram a viver uma realidade sem individualidade. “Houve pacientes que descobriam habilidades inesperadas, como uma senhora que aprendeu a pintar, mostrou inegável talento e chegou, inclusive a fazer uma vernissage para mostrar os seus trabalhos”, disse. A coordenadora do SRT em Curitiba ressaltou que o programa faz parte de uma iniciativa de desinstitucionalização, o que significa falar da desconstrução dos saberes, discursos e práticas psiquiátricos que reduzem a loucura ao estigma da doença mental e referem a instituição manicomial como o principal, se não único, equipamento da atenção à saúde mental.

Ela falou ainda das dificuldades herdadas do tempo de internação: “As pessoas chegam repetindo hábitos adquiridos no hospital, o que demonstra que o hospital continua dentro dos moradores das residências terapêuticas, ainda que eles não mais estejam lá. Além disso, ficam marcas, como se viu no episódio em que falamos que íamos levar uma máquina de costura e ao ouvir a palavra ‘máquina’ eles se assustaram, pensando que falávamos da máquina de eletrochoque, aquela que foi usada durante décadas nos hospitais psiquiátricos (2)”, afirmou. Outro exemplo é o do morador de uma RT que pedia para abrir a geladeira, sem entender que a partir daquele momento estava em sua casa, pois a RT é, afinal de contas, de seus moradores e os técnicos envolvidos são apenas auxiliares dos moradores das RTs.

Diana explicou que há dois tipos de RTs, sendo um para pacientes que conseguem realizar as atividades cotidianas sem muitos problemas e outro para pessoas mais regredidas, que necessitam de ajuda para o básico. Além disso, ela ressaltou a importância da integração dos moradores das RTs com a vizinhança. “Quando houve a mudança de uma RT que ficava no Boqueirão para Santa Felicidade, os antigos vizinhos da RT iam lá só para visitar o pessoal da RT!”, explica.

A certeza que ficou para todos os presentes é a de que as RTs mostram que a desinstitucionalização é possível e que os antigos internos dos manicômios encontram na RT uma possibilidade de uma nova vida, certamente mais saudável que a que tinham quando reclusos.

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(1) Naquele hospital morreram, essencialmente por conta dos maus-tratos, cerca de 60 mil pessoas e aproximadamente R$ 600 mil foram arrecadados pela instituição por conta da venda de corpos. Trata-se, efetivamente, de um documento importante e cabe lembrar que, em 1979, um filme intitulado “Em nome da razão”, dirigido por Helvécio Ratton, chocou a opinião pública ao exibir o horror pelo qual passavam os internos do Hospital Colônia localizado na cidade de Barbacena, MG. Houve crianças que lá nasceram, cresceram e morreram, sem nunca terem aprendido simplesmente a falar. Também em 1979, o jornalista Hiram Firmino, publicou reportagens intituladas "Nos porões da loucura", sobre o tema e, antes disso, em 1961, a revista O Cruzeiro já havia enviado para o local um fotógrafo, Luiz Alfredo, para retratar a terrível realidade vivida dentro dos muros da instituição.


(2) “Eletrochoque” é o nome genérico dado ao tratamento conhecido por eletroconvulsoterapia, que começou a ser utilizado na década de 1930, indicado para casos de depressão profunda, mas não apenas. Para além da lógica que o indica por seus supostos benefícios terapêuticos, o “eletrochoque” foi utilizado indiscriminadamente durante muito tempo, inclusive como castigo e instrumento de tortura. 

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