Cidades superlotadas com comércio intenso, esgotos a céu aberto, crendices em excesso e pouca higiene: o ambiente urbano na Idade Média era muito insalubre |
Capítulo 4: A Idade Média, seus fantasmas e insalubridades
Se é possível definir de forma rápida o que foi assistência
à saúde na Idade Média (476 d.C./1453) deve-se dizer que foi uma combinação do
que foi lido nos textos médicos greco-romanos (1), como os de Galeno, e de crenças
espirituais, Astrologia e curandeirismo por rezas e/ou plantas. Como se sabe, o
ambiente medieval era recheado de todo o tipo de crenças e pautado pelo
fundamentalismo religioso que, inclusive, podia levar pessoas a ser cruelmente
torturadas e queimadas vivas.
Naquele tempo, compreendia-se que o adoecimento ocorria por fatores físicos, mas principalmente por questões relacionadas ao espírito, incluindo a feitiçaria, encantamentos, castigos por pecados cometidos e, é claro, a vontade de Deus, sempre presente a determinar o destino de cada humano
A farmacologia medieval incluía bebidas usadas por curandeiros. O saber médico mesclava magia e ciência |
Causalidade metafísica predominava
Naquele tempo, compreendia-se que o adoecimento ocorria por
fatores físicos, mas principalmente por questões relacionadas ao espírito,
incluindo a feitiçaria, encantamentos, castigos por pecados cometidos e, é
claro, a vontade de Deus, sempre presente a determinar o destino de cada
humano. Tanto era assim que havia a crença de que Deus usava as doenças como
forma de punir uma pessoa ou mesmo toda uma comunidade. Desse modo, a doença
podia indicar que houve algum descumprimento ou desrespeito à lei divina e os
estigmas corporais que resultavam de determinados males eram os sinais visíveis
disso. Nesses casos, o arrependimento era o melhor remédio e a penitência a
única terapêutica indicada.
A ordem dos Beneditinos era especializada no cuidado com
doentes, mas não raro estes eram abandonados à própria sorte, pois estariam
contaminados por forças diabólicas. O sujeito são e temente a Deus devia, por
tudo isso, fugir dos doentes.
Apesar de tudo, havia
importantes centros de medicina, como a Escola Médica da cidade costeira de Salerno,
no sul da Itália, e a Abadia de Monte Cassino, na região de Nápoles. Nesta,
havia uma biblioteca com valiosos livros de medicina da Antiguidade, todos
traduzidos para o latim.
Crenças no fantástico
substituíam teorias físicas da Antiguidade
As noções de equilíbrio e harmonia do organismo com o meio
ambiente, características das medicinas grega e romana, não foram abandonadas,
pois já estavam incorporadas à cultura e tinham lá sua boa lógica prática. Mas,
como dito logo acima, os vetores subjetivos de ordem metafísica estavam em voga
na época e, sob o aspecto estrito do empoderamento humano, isso representava um
retrocesso. Muitos não entendiam como importante cuidar da relação harmônica
com o ambiente, pois isso era algo secundário diante da grandeza divina.
Nesse sentido, é bom ter claro que a construção de compreensões
diretamente físicas das causas do adoecimento, característica da cultura grega
antiga, tinha sido importante por dois motivos fundamentais:
1) funcionava como uma forma de empoderar o ente humano,
que, desse modo, ficava menos à mercê de forças invisíveis e assustadoramente
poderosas que poderiam lhe levar a padecer de males infindos;
2) assim, podia se considerar mais senhor de seu destino e
alcançar a perspectiva de uma vida com maior qualidade e confiança em si
próprio.
Porém, como já deve ter ficado claro, nos tempos medievais,
não havia incentivo ao empoderamento humano para fazer com que as crenças no
divino, no fantástico e no sobrenatural arrefecessem. O movimento era o oposto.
Representação da residência medieval. No centro, o fogo aquecia o ambiente |
Ambientes insalubres
eram comuns
A descrença nos elementos físicos levava a população a
desconsiderar a realidade terrena e a se expor a condições insalubres. A típica
habitação
medieval europeia, por exemplo, era constituída por um recinto sem qualquer
divisão e ventilação. Era usual haver apenas uma janela que costumava ficar
fechada, para manter o calor interno, sendo que uma fogueira era acesa no meio
do recinto. Não havia chaminé e um buraco era aberto no teto para deixar sair a
fumaça, mas o ambiente costumava ser enfumaçado. Por esse mesmo buraco entrava
chuva e neve e muitas vezes a palha que forrava o chão apodrecia.
Nas casas mais pobres, os humanos dividiam o espaço com
animais em chão de terra batida, costumeiramente forrado com palha ou junco.
Nem sempre havia camas e quando havia eram largas e fechadas com cortinas.
Nelas, dormia praticamente toda uma família e era hábito dormir sem roupas, com
uma touca a proteger a cabeça. Não havia móveis, a não ser essas raras camas e
uma arca, na qual tudo era guardado.
Como todos viviam basicamente nesse recinto único,
enfumaçado, úmido e cheio de gente, bastava um membro da família adoecer para
transmitir o mal a todos os outros.
Tudo isso valia para as casas pobres dos camponeses e também
para as moradias urbanas e para os castelos dos senhores, com pequenas e
pontuais diferenças. As moradias mais elaboradas tinham um segundo piso, o que
era comum nas casas de artesãos, que usavam o térreo para trabalhar e dormiam
no andar de cima. Porém, toda e qualquer melhoria que fosse feita, como
aberturas para a saída da fumaça, janelas extras ou mesmo uma lareira, era boa,
mas é bom saber que as cidades medievais eram locais insalubres, com esgotos
correndo aqui e ali e muita gente amontoada. Não era fácil conseguir água
limpa, pois a desordem urbana fazia com que o lixo poluísse os rios e as fossas
contaminassem poços.
As pessoas, na verdade, não tinham noção clara da importância de hábitos higiênicos. Lavar as roupas era algo raro, coisa que se fazia uma ou duas vezes por ano. Banho? Embora fossem bem mais frequentes que a lavagem de roupas, também não eram assim tão corriqueiros...
Na próxima postagem, a terrível Febre Negra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário